Em diversas áreas de opinião, nos largos meses mais recentes, tenho chamado a atenção, modesta, mas persistentemente, mesmo que sem grandes ilusões de eficácia, para a necessidade de as organizações do sector da Saúde e, mais especificamente, os profissionais da área precisarem de se mobilizar e organizar para lutar pela manutenção de investimento público na Saúde. A minha tese sendo a de que, no aperto financeiro agora patente em que se encontra o País, nesse contexto, o inevitável rateamento do «bolo» orçamental, agora inevitavelmente mais pequeno, iria partir pelos «elos mais fracos». A Saúde, nesta altura representada por uma ministra que se adivinha pouco «barulhenta» em sede de decisões desse tipo, correria/corre, era essa a tese, um risco sério de ser preterida por submarinos, obras públicas várias e outros fortes pretendentes ao investimento.
A semana em que escrevo voltou a mostrar sinais dessa tendência. Claros.
Centro-me no conjunto de decisões de ontem, quinta-feira, do Conselho de Ministros (CM), anunciadas pela ministra da Saúde na tradicional conferência de Imprensa após-CM.
Além de mais uma redução administrativa de preços, que se soma a todas as outras ocorridas nos tempos mais recentes e de uma ideia, louvável se praticável, de «forçar» a passagem de todas as prescrições médicas para uma via eletrónica foram decididas várias baixas de comparticipações do Estado nos medicamentos, muito significativas, mesmo brutais, como em breve se verá.
O que digo é que, se a baixa do preço de todos os medicamentos, desgastará inevitavelmente as empresas – todas - que trabalham no circuito do medicamento e terá como consequência, inevitável, o a degradação das mesmas com as consequências sociais previsíveis, e é disso que se trata, queiram ou não os tradicionais preconceituosos anti-indústria; os efeitos da generalizada redução das comparticipações terá impacto muito gravoso no actual grupo de doentes tratados com os mesmos.
Quanto à baixa das comparticipações, importa que se diga a verdade sobre o que elas vão significar. De facto, só alguém, como Ana Jorge, pouco ágil em projecções financeiras poderia ter pretendido, como o fez ou deixou que a colocassem a fazer – ao caso não vem -, que tal alteração será benéfica para os doentes. Mais, no gabinete ministerial, que não na «entourage» de comunicação da ministra, há quem saiba que, para os utentes/doentes, as alterações agora decididas originarão fortes constrangimentos a muitos e muitos doentes e seus familiares. E, por isso, sabem que o que, na altura, foi comunicado é uma não verdade, é uma mentira. Os doentes, nomeadamente aqueles com menos posses, sairão largamente prejudicados.
Ana Jorge não deveria ter sido a protagonista deste embuste.
(Sim, cara e estimável colega temporariamente ministra, só me dará razão dentro de meses, ou, em alternativa, logo regresse a responsabilidades clínicas e veja com os seus olhos e cérebro - sei que, aí, argutos - o conjunto de doentes sob sua responsabilidade que não cumprem ou abandonam terapêuticas em consequência deste tipo de decisões).
Crónica de José Antunes, Director do Tempo Medicina
Link: http://www.rcmpharma.com/news/9757/51/Um-embuste-digo-eu.html