Notícias, informação e debate sobre as queixas em saúde, nomeadamente quanto à negligência médica e erro médico em Portugal.
21.8.10

Sob o risco de contribuir para publicitação de serviços de falsa telemedicina, realizado por 150 médicos envolvidos no projecto divulgado pelo ‘site’ Bem-vindo à Segunda Opinião Médica, não posso – nem devo! – deixar de expressar repulsa por actividades de mercantilismo da medicina, a que, hoje, o jornal Público, faz referência.

O jornal cita a opinião do bastonário da Ordem dos Médicos, Dr. Pedro Nunes, igualmente reprobatória da iniciativa. A actividade, ao que parece, é dirigida ou coordenada, por um tal David Goldrach, director do famigerado portal.

A segunda opinião médica tem que obedecer a regras estabelecidas no ‘Regulamento de Conduta nas Relações entre Médicos’, aprovado e enquadrado no ‘Código Deontológico’ da OM de 2008.

Primeira constatação, tão óbvia quanto espontânea: ‘não existe segunda opinião médica, sem que haja a primeira’. Ora, sendo assim, o médico assistente e consultor têm que respeitar o preceituado no regulamento de conduta, em especial o artigo 9.º, nos 1 e 2. Neste, estabelece-se a obrigação do médico da segunda consulta “não interferir na assistência que esteja a ser prestada por outro colega ao doente”; e, no caso desta segunda consulta, ocorrer por vontade livre do doente, o médico que a realiza “tem a obrigação de advertir o paciente de existir uma assistência médica múltipla, não consensual”. O artigo 12.º, n.º 1, admite que o médico assistente possa encorajar o doente a pedir uma segunda opinião, caso o entenda útil.

Embora o citado regulamento, em matéria de normalização de conferências entre médicos, me pareça menos claro do que os revogados artigos 110.º a 114.º do anterior Código, assaltam-me dúvidas que as mensagens do ‘site’ da segunda opinião estejam a respeitar regras elementares de deontologia, nomeadamente o preceituado no regulamento antes referido – incitam, directa e explicitamente, os doentes a pedir uma segunda opinião, à revelia do médico assistente. Uma coisa é a iniciativa partir do doente, outra é ser tomada por incitamento do prestador interessado da segunda opinião.


Do ponto de vista do exercício do ‘acto médico’ do género do proposto, e embora se socorra de tecnologias de telecomunicação, classifico-o como um falso acto de telemedicina. Telemedicina, a sério, é praticada por exemplo por um conjunto de médicos do SNS da região do Alentejo que, no espaço de 8 anos, já realizaram mais de 8.000 teleconsultas, em regime de videoconferência e no âmbito de diversas especialidades, envolvendo no acto, em simultâneo, o médico de clínica geral e o especialista. Curiosamente, este programa contou com escassos apoios oficiais, não obstante a existência de um tal Plano Tecnológico Nacional e de cobrir uma vasta região de população idosa, nos distritos de Beja, Évora e Portalegre. Isto, para além de representar uma melhoria substantiva de acesso dos doentes a cuidados especializados e ainda uma economia de transportes e meios utilizados pelo SNS.

Na Europa, o projecto mais consistente e desenvolvido em telemedicina localiza-se na Noruega, país que conta com um ‘Centro de Desenvolvimento de Excelência’, na Universidade de Tromso. Em Portugal, o Ministério da Saúde nunca passou de actos inconsequentes de folclore e, como o ‘Público’ refere, tal Ministério, mesmo no âmbito da Inspecção-Geral das Actividades da Saúde, desconhece a existência do tal serviço ‘segunda opinião médica’.

Na vertente do licenciamento do serviço, julgo oportuno destacar o que o José de Freitas escreveu há dias no ‘Aventar’. De facto, para a telemedicina, nem sequer existe qualquer regulamentação do licenciamento e exercício da actividade. Tais lacunas prestam-se à profusão de oportunismos – a Dra. Maria de Belém apadrinhou há três ou quatro anos a criação da Associação Portuguesa de Telemedicina, ignorando a experiência real e benéfica do Alentejo. Agora, constato que, no corpo médico do ‘serviço segunda opinião médica’, se integra alguém que esteve com a mediática ex-ministra no arranque da tal associação; a qual, ao que tudo indica, não funciona desde 2008.

De oportunismo em oportunismo, caminhamos por lodosos atalhos da falsa telemedicina e do mercantilismo da medicina. Os utilizadores pagarão 60 euros por cada consulta e, dizem os promotores do serviço, as seguradoras reembolsam. Até deste aspecto desconfio. Há seguros de saúde, os mais conhecidos, que não funcionam na base dos reembolsos; pagam directamente a médicos convencionados e os doentes suportam a comparticipação estabelecida. Quanto a mim, trata-se de uma história preenchida por capítulos obscuros. Quero acreditar que a OM consiga estancar a negociata junto das autoridades de saúde. Porém, não consigo. Vejo alguns dos nomes dos 150 médicos e a esperança evapora-se.

 

Link: http://www.aventar.eu/2010/08/21/a-falsa-telemedicina-ou-o-mercantilismo-da-medicina/ 

link do postPor Inconformado, às 19:45  comentar

 
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