Notícias, informação e debate sobre as queixas em saúde, nomeadamente quanto à negligência médica e erro médico em Portugal.
19.6.11

Entrevista a Paula Ribeiro Faria
por CÉLIA ROSA - Notícias Magazine/JN/DN

 

A maior parte dos erros médicos ocorre por lapso, distracção ou fadiga mas sempre que provoquem prejuízo nos doentes estes devem ser indemnizados, defende Paula Ribeiro Faria, jurista e professora de Direito Penal. Em Portugal estima-se que morram três mil pessoas por ano por eventos médicos adversos. Muitas mais ficam com limitações físicas, psíquicas e sociais.

 

_ Evento adverso, erro médico, negligência médica. É tudo a mesma coisa?
Há quem faça coincidir os conceitos, mas há diferenças. O evento adverso é de todos o mais abrangente, porque parece incluir situações em que por razões imprevisíveis, digamos que por azar, alguma coisa corre mal ou ameaça vir a correr mal. O erro devido a falha humana pode ocorrer por distracção momentânea, má execução de uma técnica, fadiga no desempenho de uma tarefa ou por outros motivos e não significa forçosamente uma violação do cuidado por parte do médico ou do profissional de saúde. Finalmente, temos situações de verdadeira negligência, em que existe uma violação do dever de cuidado por parte de quem actua.

 

_ Muitos médicos defendem que se chame evento adverso ao erro médico. Porquê?
O evento adverso abrange todas as ocorrências capazes de causar danos a um doente e a verdade é que grande parte desses eventos adversos ocorre devido a erro humano. O sistema que a Direcção-Geral da Saúde (DGS) pretende implementar destina-se a promover a notificação desses eventos, de forma não punitiva e confidencial, tornando possível o seu estudo por peritos, de forma a prevenir o erro e a tornar o sistema de saúde mais seguro.

 

_ Errar é humano e os médicos são pessoas. Há que assumi-lo?
O erro do profissional pode ocorrer devido a um momento de distracção, por uma falha de concentração, por muitas razões. Também há os chamados erros de conhecimento, que tanto podem ser erros de interpretação da realidade, como de aplicação da ciência no caso concreto. Muitos destes erros podem ocorrer sem negligência. Imagine um erro de diagnóstico. O médico pode ter interpretado mal os sintomas e os exames, pode ter errado nas conclusões e na terapêutica indicada, mas não ter violado qualquer dever de cuidado nesse diagnóstico porque pediu todos os exames necessários, porque ouviu o doente com atenção, etc. No entanto, a verdade é que houve um erro, e houve consequências desse erro. Outro exemplo: numa operação de extrema urgência o médico tem de apressar o fecho do campo operatório e a sutura fica mal feita. Houve de facto uma falha, objectivamente qualquer coisa não correu bem, mas o médico agiu com o cuidado que era esperado dele, atendendo ao pouco tempo de que dispunha, e como qualquer profissional médico da sua especialidade o teria feito naquela situação. O seu erro não diverge do que seria de esperar naquele contexto.

 

_ E quando há negligência?
Quando há negligência é porque, além do erro, o médico actuou contra deveres de cuidado. A maior dificuldade nos processos que envolvem a negligência médica está em provar que foi a falta de cuidado do médico que causou a lesão ao doente. Por exemplo, uma pessoa que já tenha um problema de saúde e que na sequência de um acidente de automóvel vai à urgência e morre horas depois de ter sido atendido por um médico que não mandou fazer todos os exames de diagnóstico considerados necessários em caso de traumatismo. Outro problema está na definição da violação de cuidado, no apuramento do que era de esperar de um médico como aquele no caso concreto, saber se lhe era exigível mais ou se fez tudo o que era possível fazer dadas as circunstâncias. A medicina não é matemática.

 

_ Pensa-se que nos Estados Unidos morrem pelo menos 44 mil pessoas por ano devido a erros médicos. Em Portugal, estimam-se três mil mortes. O que é que as pessoas e a sociedade devem saber desta realidade escondida?
Sabe-se que há muitos erros médicos e que são frequentes as situações em que os doentes saem prejudicados do funcionamento dos serviços de saúde. Grande parte destas situações pode ser prevenida se se adoptarem normas e procedimentos que promovam a qualidade dos serviços e reduzam os comportamentos de risco dos profissionais. O que as autoridades de saúde e os estabelecimentos de saúde podem, e devem fazer, é tomar precauções para prevenir o erro, reduzindo o risco através da criação de sistemas de notificação de eventos adversos, de sistemas de avaliação dos erros comunicados em cada hospital e em cada serviço, através da requalificação técnica dos profissionais, da aposta na segurança dos equipamentos e na standardização dos procedimentos, etc. Hoje é comum comparar a actividade médica à aeronáutica, que também é uma actividade de alto risco, mas que conta já com regras muito precisas destinadas a garantir a segurança do voo. Os pilotos treinam em simuladores, têm tempos de descanso obrigatórios, cumprem a chamada regra do cockpit estéril, que determina que em certas fases do voo só se podem manter no cockpit conversas sobre ele. Na actividade médica, sobretudo nas actividades de grande risco como a cirurgia, anestesiologia, medicina transfusional e obstetrícia, também já se começa a desenvolver uma série de técnicas de treino em equipa e a proceder a simulações de situações de emergência que visam garantir a segurança dos doentes.

 

_ Além da mortalidade, o erro médico provoca danos físicos, psíquicos, familiares, sociais. Como é que esta realidade se reflecte no Direito e nos tribunais?
Sabe que os EUA são apontados como um dos países desenvolvidos mais negligentes e que nos finais do século XIX, princípios do século XX, tinham menos processos judiciais por negligência? De repente houve uma mudança de atitude por parte das pessoas e um aumento vertiginoso do número de acções judiciais por acidente rodoviário negligente, por lesões negligentes, por erro e negligência médica, porventura até ao exagero. Portugal está a começar agora. Há dez ou 15 anos tínhamos alguma dificuldade em encontrar acórdãos sobre negligência médica. Hoje são dezenas ou centenas. Todavia, penso que vai suceder uma coisa curiosa. Como o aumento de processos judiciais nesta matéria já vem tarde, entretanto deverá ser travado por um esforço de sentido contrário que assenta na implementação de sistemas de prevenção do risco e na criação de fundos de seguro, como acontece na maioria dos países. No fundo, pela ideia da socialização do risco em lugar da culpabilização do médico.

 

_ Errar é humano, desculpa-se o médico. E como é que se reparam os danos causados aos doentes?
Apontar o dedo ao médico sempre que existe um erro ou uma falha pode ser socialmente contraproducente, pois os médicos, sobretudo em algumas especialidades, poderão começar a recusar os casos mais complexos e com mais riscos. Nos EUA, em França e noutros países, algumas especialidades têm falta de médicos por medo dos processos judiciais que podem ser movidos contra eles. É o problema da chamada medicina defensiva. Por isso, deve procurar-se que a indemnização seja garantida, tanto quanto possível, através de sistemas de responsabilidade objectiva sem culpa associada, limitando a responsabilidade do médico aos casos de culpa grave.

 

_ Os danos nos doentes devem ser sempre reparados?
Se resultar um prejuízo para o doente que signifique uma diminuição física, dores ou sofrimento, despesas adicionais, evidentemente que o doente deve poder contar com a sua indemnização.

 

_ Hoje os profissionais de saúde trabalham em grandes estabelecimentos, em equipa e intervêm em situações complexas. As responsabilidades são mais difíceis de apurar?
Numa organização complexa, a possibilidade de erro é maior - até por má transmissão da informação - como é maior a dificuldade de os doentes efectivarem os seus direitos porque se torna mais difícil identificar o autor do erro ou a fonte do risco.

 

_ É aí que pode entrar a responsabilidade civil do Estado?
A responsabilidade civil do Estado é muito abrangente, mas quando há defeitos na organização das estruturas de saúde, na manutenção e funcionamento dos equipamentos, e daí resulta o dano, há a possibilidade de pedir uma indemnização com base no funcionamento anormal e censurável dos serviços. Isto é muito importante sobretudo nos casos de omissão ilícita, quando não é possível identificar quem fez o quê.

 

_ As administrações hospitalares estão sensibilizadas para a necessidade de prevenir os erros?
Penso que sim. Mas muitas instituições debatem-se com problemas financeiros graves e estão constrangidas a cortar a despesa, o que pode aumentar o risco de ocorrência de eventos adversos. A própria organização do trabalho, com recurso a pessoas que desconhecem os serviços e os colegas, como sucede em muitas urgências do país, também aumenta o risco de ocorrência de erros, uma vez que a boa comunicação entre os prestadores de cuidados de saúde é fundamental para a qualidade do acto médico e para a segurança dos doentes.

 

_ A DGS quer avançar com a criação de um sistema de notificação dos erros médicos e de acreditação das unidades de saúde. Já é tempo?
Com certeza, será muito útil para aumentar a qualidade das unidades de saúde, para a prevenção dos eventos adversos, e para a segurança dos doentes. Penso que o sistema de notificação deve ser complementado com um sistema de seguro que permita a socialização do risco e garanta que o doente que é vítima do erro anónimo ou de outros acidentes possa ser indemnizado. Nestes programas de prevenção do risco normalmente também se inclui a criação da figura da pessoa de confiança ou do curador de cuidados de saúde.

 

_ O sistema prevê a notificação dos erros de forma voluntária, anónima e não punitiva. Acha que as seguradoras vão cobrir danos causados por desconhecidos?
Quando os erros geram danos, é preciso garantir aos doentes que eles são reparados. A criação de um fundo de responsabilidade objectiva ou seguros específicos é a melhor solução, uma vez que trata todos esses danos como concretização dos riscos de uma actividade perigosa. Independentemente de terem origem num erro humano, numa infecção, ou num equipamento que funcionou mal.

 

_ As seguradoras resistem até ao limite para pagarem qualquer coisa. Acha que estão dispostas a indemnizar por erro médico só porque o Estado quer que assim seja?
Parece-me que nos casos de violação do dever de cuidado flagrante ou manifesto, isto é, nos casos de negligência grave ou grosseira, o apuramento da responsabilidade individual se deverá manter. Dever-se-á é desenvolver paralelamente sistemas de compensação arbitral, menos penosos para todos os intervenientes do que a via judicial tradicional.

 

_ Imagine que um doente contrai uma infecção grave por contaminação bacteriana num bloco cirúrgico e morre. De quem é a responsabilidade?
Nesse caso, ou está em causa a violação de deveres de cuidado por parte dos profissionais de saúde, ou se trata de um dano decorrente do funcionamento anormal ou deficiente do serviço que cabe à organização assumir (falta de limpeza e de desinfecção), ou estamos perante um evento totalmente imprevisível, que deverá vir a ser objecto de notificação como evento adverso e merecer cobertura através de um sistema de responsabilidade objectiva (seguros).

 

_ Concorda que em Portugal há uma cultura de ocultação do erro médico?
Não o diria assim. O erro médico não se pode normalmente esconder porque as suas consequências são bem visíveis. O que acontece é que, durante séculos, a actividade médica esteve centrada e encerrada em si mesma e criou uma lógica própria de solidariedade entre os seus pares. O médico era o detentor do conhecimento, agia com intenção de curar e segundo as regras da sua arte e mesmo que alguma coisa corresse mal nem ele dava explicações, nem os doentes nem os familiares as pediam. Hoje as pessoas têm mais informação e uma maior consciência dos seus direitos. A relação com os médicos também mudou, tornou-se muito mais impessoal. Quando o doente vai ao hospital, o médico que faz a triagem é um, o que faz a primeira consulta é outro, o que faz os exames é um terceiro e pode ainda haver um quarto e por aí fora. Nesta cadeia, é muito mais fácil pedir satisfações a alguém que só se viu uma vez do que ao médico de família que vai a casa e com quem se estabelece uma relação de proximidade e de confiança que não se quer quebrar.

 

_ Doentes mais esclarecidos, querem saber da doença, do tratamento, do prognóstico, querem decidir. E os médicos têm o dever e a obrigação de os informar, certo?
Certo, embora alguns médicos ainda sintam uma certa estranheza por terem de prestar contas aos seus pacientes. O confronto dos médicos com a sua responsabilidade, designadamente neste domínio, é uma realidade nova.

 

_ A assimetria que existe entre o médico e os doentes tende a diminuir...
É isso. E sobretudo no que diz respeito à partilha da informação médica esse facto custa-lhes muito, é certo. Mas o que se sabe, e o que é verdadeiramente importante, é que a relação de confiança que é fundamental na prestação de cuidados de saúde sai fortalecida quando o médico cumpre os seus deveres de informação e de obtenção de consentimento junto dos seus doentes.

 

_ Pode explicar a importância do consentimento informado? Tem alguma coisa a ver com erro médico?
O consentimento destina-se a garantir o exercício da autonomia pelo doente. A não obtenção do consentimento informado é uma violação das leges artis mas, em princípio, não tem nada que ver com a problemática do erro e da negligência médica causadoras de ofensas à integridade física ou de outro tipo de lesões. Eu posso ter tido necessidade de ser operada, a operação ter corrido muito bem, e essa operação ter sido feita contra a minha vontade.

 

_ Prestar o consentimento para uma intervenção não é só assinar um papel, pois não?
De modo algum. A obtenção do consentimento informado cabe ao médico e obedece a três momentos fáceis de identificar. O médico deve esclarecer o doente numa linguagem acessível, referindo-se aos riscos mais frequentes e às complicações mais graves do tratamento ou intervenção, deve garantir que o doente entendeu o que lhe foi dito e que se sente esclarecido, e só depois obter o consentimento. Este só é válido se as pessoas souberem aquilo em que estão a consentir, caso contrário podem sempre vir dizer que não foram devidamente esclarecidas.

 

_ A falta de consentimento informado é crime?
Pode ser. A realização de uma intervenção médica sem a prévia obtenção do consentimento informado pode constituir um crime contra a autonomia do doente, porque transforma a intervenção numa intervenção arbitrária.

_ Quando é que um erro médico assume relevância penal?
Sempre que o médico viola os seus deveres de cuidado produzindo um dos resultados previstos na lei penal. Além disso, a responsabilidade penal exige sempre a existência de culpa, o que quer dizer que o médico deve poder ser censurado por essa falta de cuidado.

 

_ Na responsabilidade civil é diferente?
Sim, no âmbito do direito civil há a chamada responsabilidade pelo risco. Quem tem um acidente de viação porque lhe rebentou um pneu e atropela alguém é obrigado a indemnizar os danos que causou, mesmo sem culpa, simplesmente pelo risco associado à condução de veículos automóveis. No âmbito do direito médico, também se prevê a responsabilidade pelo risco. Veja-se o diploma que consagra a responsabilidade do Estado quando, por exemplo, o dano decorre de actividades especialmente perigosas, como a exposição de pessoas a radiações.

 

_ E quando um profissional descura ou viola o dever de cuidado mas não se registam danos, não há lugar a crime?
Em princípio, não. A punição pela negligência no direito penal tem natureza excepcional e está normalmente relacionada com a ocorrência de resultados graves.

 

_ Os médicos já são obrigados a constituir seguro de responsabilidade civil?
Sei que geralmente têm. A própria Ordem dos Médicos constituiu um seguro de grupo ao qual os médicos são livres de aderir, mas penso que ainda não é obrigatório. Existe seguro de responsabilidade civil obrigatório em relação a ensaios clínicos, colheita de órgãos em dadores vivos, medicamentos defeituosos, entre outras situações.

 

_ Todos deviam ter um seguro?
Sim, beneficia todos. A prática médica é uma actividade perigosa, envolve muitos riscos, e em certos países existem já institutos públicos para indemnizar os doentes em caso de negligência médica.

 

_ O erro médico pode ser desculpável?
Sim, pode. Em todas as situações em que o erro é praticado em circunstâncias em que não é possível censurar o médico porque outro nas mesmas circunstâncias também teria errado.

 

_ E quando o médico percebe que se enganou a interpretar os dados, a omissão do erro também é desculpável?
Depende. Se dessa omissão não resultarem danos para o doente, talvez. Se a omissão puder provocar outras consequências, o doente tem de ser informado. Informar é sempre o melhor princípio, mas claro que tudo se torna mais fácil se a informação puder ser prestada de forma anónima e sem receio de complicações legais.

 

_ Em termos de responsabilidade civil, é diferente praticar um erro em estabelecimento público de saúde ou numa instituição privada?
Se a actividade médica for praticada em consultório ou hospital privado, a responsabilidade do médico é uma responsabilidade civil contratual, pois existe um acordo prévio entre médico e doente ou entre a casa de saúde e o doente, que obriga a uma prestação cuidadosa de cuidados de saúde. Isto, sob pena de responsabilidade pelo incumprimento ou pelo cumprimento defeituoso do contrato. Claro que o mesmo facto também dá lugar a uma responsabilidade civil extracontratual, decorrente da lesão dos direitos subjectivos do doente, e cabe a este definir a via de indemnização do dano que prefere, normalmente a responsabilidade contratual, que é mais vantajosa. Já no âmbito dos hospitais públicos - mesmo em gestão privada - considera-se, por regra, que não há contrato com o utente, pelo que se tratará de uma responsabilidade civil extracontratual por um acto de gestão pública. O regime que se aplica é o da responsabilidade civil extracontratual do Estado, que é efectivado em tribunais administrativos.

 

_ É o Estado que cobre os danos causados pelos seus funcionários?
O diploma que regula a responsabilidade civil extracontratual do Estado data da década de sessenta, foi revisto em 2007, e esteve envolto em enorme polémica devido à consagração da natureza vinculada do direito de regresso. O Presidente da República até o vetou porque entendia que isso ia entupir os tribunais. O que este diploma diz é que se o médico actuar com culpa ligeira, o Estado assume o dever de indemnizar. Quer dizer que o Estado assume o erro, o lapso ou o engano, como algo de inerente ao próprio funcionamento do serviço. Quando a culpa é grave, e ao contrário do que se passava até à revisão da lei, o Estado já não é obrigado a assumir a responsabilidade pela negligência do seu funcionário. Pelo que mesmo que indemnize o doente tem, depois, o direito a exigir do funcionário aquilo que pagou.

 

_ Quando um doente ou os seus familiares entendem que não receberam os cuidados de saúde devidos e se sentem lesados, o que devem fazer?
Se se tratar de um problema com relevância criminal - homicídio negligente, ofensas corporais negligentes, intervenções médicas arbitrárias por falta ou insuficiência de consentimento informado e esclarecido - podem apresentar queixa às autoridades policiais ou ao Ministério Público e, a partir daí, dentro do processo penal, deduzir pedido de indemnização cível. Em caso de erro médico cometido em estabelecimento público do qual resultem danos físicos, psíquicos ou patrimoniais, o doente ou o seu representante legal, deve pedir a indemnização nos tribunais administrativos e apresentar queixa junto das autoridades criminais se o facto tiver relevância penal.

 

_ Não há alternativa ao tribunal?

No caso das pessoas que cegaram por troca de medicamentos no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, foi nomeada uma comissão arbitral que calculou os danos provocados a cada um dos doentes e o montante da indemnização devida. Mas este caso não se pôde esconder e talvez seja único...
Isso é o ideal, infelizmente não é o mais comum. Os processos de arbitragem, em que os profissionais são confrontados com as consequências da sua actuação e têm possibilidade de pedir desculpa e as vítimas têm oportunidade de se fazer ouvir, são o caminho desejável e o menos penoso para todos os intervenientes. Mas é preciso promover uma cultura de responsabilização e não de culpabilização para chegarmos a este patamar. Isto, sem prejuízo da assunção da responsabilidade individual, se houver violação do dever de cuidado.

 

_ Estudos feitos nalguns países indicam que os pacientes lesados e os seus familiares não enveredam pela via judicial quando, perante um erro, os médicos dão uma explicação e pedem desculpa. Imagina um médico português a pedir desculpa?
Imagino perfeitamente. É esse pedido de desculpa, ainda que acompanhado por vezes do pagamento de uma soma em dinheiro, que justifica grande parte dos processos de composição arbitral de conflitos. Um pedido de desculpa resolve muita coisa e sem dúvida que se torna mais fácil se surgir dissociado da ameaça de um processo judicial.

 

 

BI

Marcada pelos genes do Direito penal, Paula Ribeiro Faria nasceu em Freiburg im Breisgau, na Alemanha, há 45 anos. Na altura, o pai, também professor universitário e penalista, fazia o doutoramento no Instituto Max Planck. Anos depois, Paula voltou à Alemanha e ao reputado centro de investigação também para se doutorar. Em Direito penal, claro. Hoje é professora na Faculdade de Direito da Universidade Católica no Porto, onde estuda, ensina e investiga direito médico.

 

 

Dúvidas e emoções

 

_ Tem sido solicitada para acções de formação sobre responsabilidade médica?
Com muita frequência. Acabei de fazer uma neste sábado de manhã. Estive num centro de simulação médica na área da obstetrícia, assisti ao treino dos profissionais, que foram confrontados com situações de emergência extrema. Tiveram de reagir perante casos que ocorrem muito raramente, mas cuja resolução sem consequências para a mãe e para o recém-nascido depende do conhecimento, da capacidade técnica e da articulação da equipa - cada um dos membros tem de saber o que deve fazer em cada momento.

 

_ Os profissionais de saúde, sobretudo os médicos, têm muitas dúvidas?
Imensas. Colocam muitas questões sobre responsabilidade médica, erro, consentimento informado e dever de esclarecimento, o que fazer em caso de doentes inconscientes, com convicções religiosas específicas, etc.

 

_ O que é que sente no coração dos médicos?
Bastante receio mas, ao mesmo tempo, muita vontade de conhecer as regras. Há médicos que têm muita informação e sabem exactamente como devem agir nas diferentes circunstâncias - conhecem as consequências das suas acções e omissões, a importância do cumprimento do dever de esclarecimento e da obtenção de consentimento - mas há outros que parecem estar fora da realidade. Desconhecem as leis, alguns até ignoram as normas do seu próprio código deontológico, não sabem como funciona o consentimento informado, acham que não têm de dar muitas explicações aos doentes. No entanto, a maioria dos médicos que tenho contactado são, sem sombra de dúvida, profissionais interessados e preocupados com os cuidados que prestam aos seus doentes. Apesar de tudo, sinto que médicos, doentes e Direito ainda não se encontraram.

 

 

Razões de queixa dos hospitais

Na semana em que a Universidade Lusíada organiza as primeiras Jornadas de Direito da Medicina, a nm tentou perceber o pulsar da relação entre doentes, profissionais de saúde e estabelecimentos de saúde quando se fala de erro médico. A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) também já o fez. Ainda no final do ano passado decorreu uma inspecção de monitorização. E o que soube foi que dos 56 hospitais do SNS que responderam ao inquérito 37 tinham processos judiciais em curso por alegada assistência médica deficiente a pacientes. Dos 138 processos instaurados e tramitados, em diferentes fases instrutórias, 104 são de natureza administrativa, 26 de natureza cível e sete de natureza criminal. O montante global das indemnizações pedidas ascende a 26 milhões de euros. Os dados reportam aos anos de 2008 e 2009 e ao primeiro semestre de 2010.

Entre os 56 hospitais inquiridos, apenas cinco (8,9 por cento) declararam possuir seguro de responsabilidade profissional com cobertura dos riscos de assistência profissional. Todavia, 1662 médicos (só 17 estabelecimentos de saúde responderam a esta questão) terão seguro de responsabilidade civil individual.

 

A IGAS também quis saber como é que os hospitais do SNS se organizam para prevenir o erro e a negligência médica e que sistemas de gestão de risco e segurança dos doentes têm implementados. Dos 56 estabelecimentos avaliados, 46 tinham implementado um serviço de triagem na urgência e 32 tinham protocolos escritos de prevenção do erro médico e de promoção da segurança dos doentes (destacam-se as especialidades de cirurgia, anestesia, ginecologia e obstetrícia, ortopedia, cardiologia). Já a implementação de sistemas informatizados de alerta e prevenção de riscos no decurso da assistência médica prestada aos doentes parece ter menor adesão: 41 hospitais (73 por cento) dizem que não têm qualquer ferramenta de apoio.

Dos hospitais analisados, 36 (64 por cento) afirmaram desenvolver uma política interna de gestão do risco/segurança dos doentes e 31 (55 por cento) garantem notificar internamente os eventos adversos registados. E neste campo os erros mais frequentes reportaram a identificação de doente, processos com informação mal arquivada, administração de fármaco (dosagens), etiquetagem incorrecta, prescrição indevida, incidentes com transfusões sanguíneas, erros na avaliação do estado clínico do doente e na transmissão da informação médica. As consequências destes eventos ou erros traduzem-se em infecções resultantes da assistência médica e de enfermagem; sépsis pós-operatória; punções e lacerações acidentais; reacções a transfusões sanguíneas; embolias pulmonares pós-operatórias; pneumotórax; traumas de nascimento com lesões para o recém-nascido, complicações da anestesia e corpos estranhos deixados durante a cirurgia. Se os danos provocados aos doentes foram ou não reparados, a IGAS não perguntou.

 

Link: http://www.dn.pt/revistas/nm/interior.aspx?content_id=1881108

 

 

 

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