"Há uma lógica e uma cultura de tipo empresarial que esmaga a cultura médica", considera o bastonário da Ordem dos Médicos
Sobre o caso concreto de um possível erro médico na origem de complicações ocorridas com quatro doentes do foro oftalmológico, Pedro Nunes, o bastonário da Ordem dos Médicos, recusou pronunciar-se. Mas, sobre a situação da Saúde em Portugal, não tem dúvidas em afirmar que ela reflecte um predomínio da "cultura empresarial".
Em declarações citadas pela agência Lusa, Pedro Nunes afirmou que "este caso é exemplar das condições em que hoje em dia se exerce medicina em Portugal, que tem a ver tanto com o privado como com o público.
"Antítese do que é fazer medicina"
"Há uma lógica e uma cultura de tipo empresarial que esmaga a cultura médica". A medicina, acrescentou, está "transformada em mera prestação de serviço, em mero acto técnico".
O bastonário da Ordem dos Médicos manifestou a sua convicção sobre a importância de a intervenção cirúrgica, em princípio, ser levada a cabo pelo médico que deu a indicação operatória.
O que hoje sucede de forma recorrente, sublinhou, é "o caso de um doente operado na outra ponta do país por um médico que nunca o viu. A seguir a ser operado volta para a sua terra e não tem mais contacto com quem o operou". E reforçou a sua discordância de uma "medicina feita sem que haja uma responsabilidade no pré e pós operatório", que é, no fundo, a "antítese do que é fazer medicina".
Este tipo de contrasenso, precisou Pedro Nunes, tanto acontece no sector público como no privado.
Processo disciplinar a decorrer
Quanto à clínica I-QMed, que realizou as intervenções que agora se encontram sob o foco das atenções, o bastonário escusou-se a emitir alguma apreciação que se adiantasse aos resultados do inquérito e do processo disciplinar abertos pela Ordem.
Esclareceu, contudo, que nada obsta ao exercício da profissão por um médico holandês em Portugal: "Qualquer médico da União Europeia pode prestar serviços temporários noutro país sem que o estado de acolhimento possa impedi-lo. Para isso, basta comunicar à Ordem dos Médicos".
Também no que se refere ao licenciamento e registo da clínica, o problema não se situará forçosamente a esse nível porque há "um excesso de exigência burocrática em Portugal".
O presidente da Entidade Reguladora da Saúde, Álvaro Almeida, afirmara que a clínica "não está registada na Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Não tínhamos conhecimento sequer da existência dessa entidade e portanto é uma entidade que actua à margem da lei, uma vez que o registo na ERS é obrigatório".
Alerta contra "prestadores de vão de escada"
Almeida criticara os utentes por recorrerem a "estes prestadores de vão de escada" e acrescentara que "são coisas à margem da lei que não deviam ter sido usadas pelos utentes". Concluira com a recomendação de que os potenciais utentes verifiquem sempre se a clínica a que se dirigem está registada na ERS, visto que "dá uma garantia de adicional de segurança e de qualidade".
Se esta clínica podia ou não considerar-se "de vão de escada", é outra questão, que não fica dilucidada com o facto de existir há sete anos, sem que conste ter havido anteriormente alguma fiscalização minimamente rigorosa. No seu site, a I-QMed publicita-se como clínica com actividade "nas áreas de Oftalmologia, Otorrinolaringologia, Psicologia e beleza" e mantendo "parcerias com hotéis para proporcionar um preço competitivo de alojamento dando a oportunidade aos pacientes de desfrutarem de férias enquanto repousam de uma cirurgia".
Entretanto, uma fonte do Ministério da Saúde era citada pela agência Lusa a dar conta de uma investigação da Inspecção Geral das Actividades em Saúde (IGAS) que corre contra esta clínica desde 28 de Julho. Os quatro doentes que sofreram complicações podendo eventualmente levar à cegueira foram operados a 20 de Julho.
Link: http://tv1.rtp.pt/noticias/index.php?t=Bastonario-dos-medicos-critica-cultura-empresarial.rtp&article=365873&layout=10&visual=3&tm=2